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From: Jansy Berndt de Souza Mello
 
Sent: Monday, January 17, 2005 6:43 PM
Subject: Jornal do Brasil on " Pale Fire",Jan.15

Don,
JB - Online refers to "Jornal do Brasil" . 
This article is about Jorio Dauster´s and S. Duarte´s new edition of their 1985 translation of "Pale Fire".
The title: " A feast for the spirit -  'Fogo Pálido' reasserts Vladimir Nabokov´s creative skill" .
Jansy 
 

JB - ONLINE

 

Um banquete para o espírito

'Fogo pálido' reafirma o engenho criativo de Vladimir Nabokov

Duílio Gomes

[15/JAN/2005]

Fogo Pálido
Vladimir Nabokov
Companhia das Letras
304 páginas
R$ 42,50

A obra ficcional do russo Vladimir Nabokov (São Petersburgo, 1899 - Montreux, 1977) é hoje uma das mais celebradas do planeta. Mas antes de o autor chegar a esse pódio literário, ele amargou a derrocada financeira de sua família (os aristocráticos Nabokov perderam toda a sua fortuna na Revolução de 1917, na Rússia) e o anonimato de professor universitário exilado nos EUA durante a década de 40. A sua prosa sofisticada já chamava a atenção do circuito universitário, mas a fama de seus contos, já entranhadamente cerebrais, não passava dessa fronteira. Com o explosivo sucesso do seu romance Lolita, porém, sua obra e seu nome foram catapultados para o mundo.

Lolita surgiu primeiro na França (1955) e provocou escândalo pelo seu tema - um professor quarentão apaixonado pela sua enteada de apenas 12 anos de idade. E lançou um neologismo, ninfeta. Pedofilia era um tema muito pouco explorado na época, puro tabu. A partir daí, Nabokov não parou mais. Ele tinha a seu favor uma profunda erudição e a pegada de um virtuose, além de ser um poliglota. Vivendo na América com a sua mulher Vera e o seu filho Dmitri - criado por ele para ser um intelectual, o que acabou se tornando - Nabokov, novamente rico com os direitos autorais de Lolita, pôde escrever com tranqüilidade. Rejeitou as sugestões de editores inescrupulosos que, em nome da massificação de sua obra e de um faturamento mais ligeiro, sugeriam que ele fosse menos erudito e mais picante.

No Brasil, toda a sua obra vem sendo publicada desde os anos 60, primeiro pela Civilização Brasileira e Francisco Alves e agora pela Companhia das Letras. O leitor pôde, assim, degustar Lolita, A verdadeira vida de Sebastião Knight, Mackenka, Somos todos arlequins, Gargalhada no escuro, Pnin, Perfeição, Detalhes de um pôr-do-sol e a autobiografia Fala, memória (que, pela Companhia das Letras, ganhou outro título, A pessoa em questão), obras-primas de um prosador virtuose que teve a sorte de ganhar, aqui, tradutores de peso como Jorio Dauster, Sérgio Flaksman, Brenno Silveira e Sérgio Duarte.

Agora, a Companhia das Letras lança o livro mais complexo do autor, Fogo pálido, que ganhou uma primeira edição no Brasil em 1985, pela Ed. Guanabara. Classificado como romance, o livro, escrito originalmente em inglês, Pale fire, foge, no entanto, aos padrões clássicos do gênero e foi lançado em 1962 nos EUA, logo após Lolita.

A primeira parte de Fogo pálido é um longo poema de 999 linhas, dividido em quatro cantos e ''assinado'' por John Francis Shade, no estilo de Robert Frost. A segunda, um igualmente longo comentário do professor universitário Charles Kinbote (um alter-ego de Nabokov em sua pesada erudição e propostas de charadas intrigantes) mistura ficção, poesia, crítica literária e ensaio. Quando Shade morre, o professor Kinbote se apropria do poema e delira sobre ele e um país lendário, Zembla. Uma paródia com jogo de espelhos, pistas e fundos falsos, Fogo pálido exige atenção e rapidez de raciocínio do leitor, logo compensado pela magistral arquitetura do livro.

Não satisfeito com a sua complexa fatura, Nabokov adicionou a ele um índice remissivo e um prefácio. Neste, ele discorre sobre o poema e o seu ''autor'', que ele vê como homem metódico capaz de passar a limpo, sempre à meia-noite, sua porção de versos terminados no dia anterior, arquivando-os em fichas. Mistura, ao perfil do poeta, metáforas delicadas: quando Shade queima algumas fichas no incinerador do jardim, os grossos rolos de fuligem liberados por ele são ''borboletas negras que o vento tangia naquele auto-de-fé de quintal.''

Na segunda parte do livro, quando Nabokov (Kinbote) comenta o verso 803, ele chama a atenção dos tradutores para possíveis distrações léxicas. E narra um caso verídico. Uma reportagem publicada em um jornal soviético sobre a coroação de um czar trouxe a palavra russa korona (coroa) erroneamente impressa como vorona (corvo). O jornal desculpou-se no dia seguinte e prometeu fazer a correção da palavra; acabou incorrendo em outro erro tipográfico, desta vez com o substantivo korova (vaca). Nabokov brinca com a correlação artística entre as palavras russas korona/vorona/korova e as inglesas crown/crow/cow.

Sobre esse apelo do autor e a dificuldade em traduzir Fogo pálido, Jorio Dauster e Sérgio Duarte assinam um posfácio no qual explicam que, em respeito ao engenho e arte de Nabokov (técnica e rimas do poema, trocadilhos em diversas línguas, referências cruzadas e alusões literárias), eles tiveram de buscar soluções vernaculares.

Certamente valeu o (ciclópico) esforço da dupla de tradutores. Fogo pálido é um banquete para o espírito.